top of page

Será que o clima e as alterações climáticas têm um efeito sobre as baleias?

As alterações climáticas são mudanças que acontecem ao longo de muitos anos ou séculos, nos padrões do clima a nível global ou regional. Normalmente referem-se ao aumento das temperaturas globais, desde meados do século XX até ao presente. O aumento da temperatura é responsável pelo rápido derretimento dos glaciares e calotes polares o que provoca o aumento do nível do mar. 

Estas alterações do clima que hoje vivemos podem fazer com que seja mais difícil de prever o estado do tempo e podem tornar mais frequentes e mais severos alguns eventos extremos como furacões, inundações, aguaceiros e tempestades. Tudo isto afecta drasticamente várias atividades da vida humana mas também os animais marinhos. 

 

Os cetáceos - baleias e golfinhos - são afetados, ainda que indiretamente, pelas alterações climáticas. As consequentes mudanças na temperatura do mar, acidificação dos oceanos, perda de habitats nas regiões polares resultam na diminuição das presas que constituem o seu alimento - várias espécies de peixes e krill (camarões muito pequeninos).  

 

Existem eventos climáticos extremos, tais como tempestades no mar, ou eventos regulares e sazonais, tal como as alterações periódicas da temperatura da água, que afetam alguns animais marinhos e vários níveis da cadeia alimentar dos oceanos e que podem indiretamente afetar os grandes mamíferos marinhos. Da mesma forma, alguns fenómenos físicos dos oceanos, ou até grandes catástrofes inesperadas - erupções vulcânicas, terramotos e tsunamis - podem alterar o acesso a alimentos, a zonas preferidas de deslocação e padrões comportamentais.

 

Não sabemos exatamente como alguns destes grandes eventos afetaram as baleias e golfinhos que no passado viveram ou passaram pelo estuário do Tejo. Mas as fontes históricas podem dar-nos algumas pistas, especialmente quando descrevem estes animais em associação ao evento natural e climático.

 

«No ano 1531, a 26 e 28 de janeiro, avistaram-se sinais ardentes durante a noite, no céu de Lisboa em Portugal, e depois no dia 28 apareceu viu-se uma enorme baleia no céu. A este seguiram-se grandes terramotos, de forma que se destruíram 200 casas e pereceram mais de 1000 pessoas.»

 

Esta passagem do Livro dos Milagres mostra ainda como muitas vezes as baleias - tidas por enormes e assustadoras - se tornam sinais de mau presságio, ou seja, que acontecimentos negativos e destruidores podem vir a acontecer no futuro.

O terramoto de 1531 foi muito devastador. É considerado um dos três maiores tremores de terra do século XVI. Caíram muitas igrejas e mais de duas mil casas ficaram destruídas. As águas do rio galgaram as margens. 

Se quiseres saber mais sobre o terramoto de 1531 vê aqui: 

https://ensina.rtp.pt/artigo/o-terramoto-de-lisboa-de-1531/

A notícia do avistamento da baleia correu pela Europa e foi impressa num folheto, ainda em 1531, por Heinrich Stainer, em Augsburgo, na Alemanha. 

Vai ao Google Earth e vê onde fica Augsburgo e verifica como fica longe de Portugal. As notícias sobre baleias viajavam muito, porque eram tidas por muito curiosas. 

Já imaginaste se um cetáceo entrasse hoje no Tejo? É certinho que abria os telejornais e estava nas redes sociais. Vê aqui: https://sicnoticias.pt/pais/2018-05-23-Esta-uma-baleia-no-Cais-do-Sodre-em-Lisboa

 

No século XVI, a baleia também foi notícia, mas naquele tempo as novidades corriam um pouco mais devagar. Como não havia telefones, televisão, rádio ou internet, as informações eram impressas em folhetos ou panfletos que depois eram lidos em voz alta pelas ruas.

Fig. 1 – Primeira página do folheto alemão mostrando a designada Baleia de Augsburgo ou a baleia encalhada em Lisboa em Janeiro de 1531:

 http://daten.digitale-sammlungen.de/~db/bsb00008463/images

in Lisbon in January of 1531.

Clica nas imagens para imprimires.

Observa com atenção a baleia e faz um desenho à vista.

Em 1550, a notícia apareceu no Wunderzeichenbuch de Augsburgo.

 

Procura num tradutor o que significa Wunderzeichenbuch.

 

A fonte da notícia pode ter sido o folheto de que falámos ou uma crónica escrita posteriormente. 

Fig. 2 – Representação de uma baleia no estuário do Tejo, vista no advento do terramoto de 1531. in Wunderzeichenbuch, Augsburgo, 1550. 

Sobre esta baleia, espreita aqui: https://www.youtube.com/watch?v=cRHr88gNnnk&t=4s

Mais tarde, já no século XVIII, em 1723, a Gazeta de Lisboa noticiava que “um grande peixe diferente de qualquer espécie conhecida foi apanhado no Tejo, próximo de Cassilhas”.

O que era a Gazeta de Lisboa?

 

Foi o primeiro periódico oficial português, ou seja, um jornal que publicou notícias entre Agosto de 1715 e Janeiro de 1760. Deste modo, foi o periódico publicado durante mais tempo em Portugal. 

 

A palavra “Gazeta” era utilizada pelo antigos para designar publicações periódicas que davam as notícias políticas, literárias, científicas, artísticas e religiosas. 

 

Começaram a aparecer na Europa a partir do século XVI. 

 

Os primeiros jornais e panfletos eram lidos em voz alta, em locais públicos, para que a população que não sabia ler pudesse ficar a par das novidades.  

Fig. 3 – Primeira página da Gazeta de Lisboa de 27 de Janeiro de 1723.

No texto que se segue, descobre qual era a cor da baleia e pinta o desenho. 

Fig. 4 – Segunda página da notícia da Gazeta de Lisboa (1723) mostrando a representação de uma baleia arrojada em Cacilhas.  

O que é um arrojamento?

Por “arrojamento” entende-se o encalhe na costa de um animal marinho vivo, moribundo ou morto.

Desafio-te a tentar ler os caracteres antigos da Gazeta de Lisboa. Algumas letras estão sumidas, tens que tentar adivinhar que palavras são. 

 

Dou-te uma ajuda. Esta palavra          , com o caracter esquisito, lê-se neste.

 

Desvendar a História é um jogo interessante, experimenta! 

Aqui fica a transliteração para perceberes melhor a notícia.

 

Assinala as palavras que não têm a mesma grafia que o Português do presente.

“O grande Peixe, que entrou neste porto a semana passada, se não tem certo conhecimento da sua especie. Alguns entendem ser huma Bufalina, a que os Francezes dão o nome de Soufler, id est, Assoprador, outros que seja certa especie de Balea, a que os Hollandezes chamão Kapeku; mas como a sua figura he differente da Balea, e de qualquer outro peixe conhecido, se expoem aqui em estampa aos curiosos com as medidas de todos os seus membros, e huma breve descripçao da sua estructura com mais certeza, que a semana passada. 

Tinha este Peyxe 87 palmos de comprimento, e na sua mayor grossura 43 de circunferencia, que por ser perfeitamente redondo, teria de alto 14 e hum terço. Na parte onde acaba a barbatana do espinhaço tinha 14 de circunferencia. Desde alli hia diminuindo com figura chata até grossura de 2 palmos e meio somente, e na parte mais delgada começava o rabo, deitado, e não ao alto como ou outros peixes com 4 palmos de comprido, e 7 em circunferencia, acabando em duas pontas como os das Andorinhas com extensão de 18 palmos. A cabeça era de notavel grandeza. O rasgado da boca tinha 15 palmos, e toda a circunferencia della 60. Seis homens metidos em pé dentro da sua concavidade parecia occuparem huma pequena parte della; o queixo de sima acabava como unha de ancora, e era guarnecido em lugar de dentes de 644 barbas, que principiavão com meyo palmo, e acabavão em dous e meyo junto ao canto da boca. As de diante ocupavam 5 palmos de cada lado, e erão brancas em numero de 294. As que ocupavam os dez palmos até à junta dos queixos, erão 350 e tiravão a cor de chumbo, como a dos mesmo Peyxe. A parte superior da concavidade de boca tinha huma especie de sedas como de [?], quase brancas, com hum terço de palmo de comprimento, e no meyo huma forma de quilha, que continuava da ponta da boca até a guela, branca, e liza, com meyo palmo de largo, e outro tanto de grosso, mas adelgaçando no meyo acabava com dous palmos de largura. A parte de baixo era liza, e da cor do mesmo Peixe. No alto da cabecçatinha duas ventas, ou buracos por onde respirava de dous palmos de meyo de comprido. Cada hum dos olhos tinha hum palmo de diametro, e contavão-se 13 entre hum, e outro. Sobre o lombo tinha huma barbatana de palmo e meyo de alto, com dous e trees quartos de comprido, e desta ate o rabo havia 17 e meyode distancia. Tinha nas ilhargas duas azas de 11 palmos de extensão cada huma, as quaes distavão 9 e meyo do canto da boca. Desde os queixos pela parte da barriga tinha, 53 listas brancas, e entre estas outras tantas meyas canas de cor de chumbo, com que fazião 66  as quaes acabavam todas em forma pyramidal no embigo, que se distinguia com huma concavidade de meyo palmo, e havia sete e meyo até a via da propagação, a qual mostrava ser femea, e tinha dous palmos e meyo de comprido, e de cada parte huma maneira, [?] de palmo com seu bico no meyo. A via do excrementeo tinha hum palmo. A guela hum quarto de palmo de diametro, e desta para a boca lhe cahião sobre o queyxo de bayxo humas peles como redenhos de perto de dous palmos e meyo brancas, encarnadas, e vermelhas, ou tirances da roxo. A pelle era delgada, e tão mimosa, que com pouca força, que se lhe aplicava, a desfazião.   

Dizem que havendo entrado neste rio discorrera por ele até ao sitio da Madre de Deos, donde voltára para a visinhança de Cassilhas, e que se chegaara tanto a terra, que entalando-se entre huns grandes penedos, não pudera sahir delles, e vasando a maré, se achara em seco, e forão tão grandes os urros, que dava de se ver fóra da agua, que atemorizou os moradores daquelle destrito.”

Se quiseres ficar a saber como era o rio Tejo e a Lisboa por onde a baleia nadou, assim como onde fica a Madre Deus, onde a baleia primeiro foi visitar, pede aos teus pais para irem contigo ao Museu do Azulejo, em Lisboa.

Este museu fica no convento da Madre Deus e guarda um painel de azulejos que representa uma grande panorâmica da cidade de Lisboa, no século XVIII, antes do terramoto de 1755.

A nossa baleia andou por ali, quando a margem do Tejo ficava mais perto do convento. 

Não há nada como uma visita presencial, mas se quiseres navegar pela Lisboa Setecentista, aqui fica o link para a visita virtual ao painel de azulejo. 

 

https://artsandculture.google.com/exhibit/grande-panorama-de-lisboa-national-azulejo-museum/KgKiceMYFOAfIA?hl=pt-PT

Fig. 5 – Representação do  convento da Madre Deus, em Xabregas. Este convento ficava no extremo oriental e era um dos limites da cidade de Lisboa. Grande panorâmica de Lisboa, séc. XVIII. Museu Nacional do Azulejo.  

Terramoto de 1755

 

Em Lisboa, a 1 de Novembro de 1755, por volta das 9h30m, ocorreu um sismo de forte intensidade. Os relatos da época falam de cenas de horror, com vários desmoronamentos e mortos.

A população desesperada fugiu para as zonas ribeirinhas, onde assistiu ao recuo das águas do Tejo. Esta pode ver o fundo do mar, cheio de destroços de navios afundados. Chegou, depois, uma onda gigante (tsunami) que engoliu parte da cidade. 

As zonas que não foram atingidas pelo maremoto acabaram destruídas por incêndios, que duraram pelo menos cinco dias.

 

Espreita esta animação: 

https://tvi24.iol.pt/videos/sociedade/video-viral-sobre-terramoto-de-1755-com-legendas/552d6d150cf2da12ec306957

 

Se quiseres aprofundar os teus conhecimentos assiste a um pequeno documentário: 

https://ensina.rtp.pt/artigo/o-terramoto-de-lisboa-de-1755/

Fig. 6 – Gravura em cobre mostrando Lisboa em chamas e o tsunami varrendo o porto. (Foto: Wikimedia Commons)

As notícias do terramoto de Lisboa de 1755 correram mundo. Em baixo, podes ver uma pintura alemã. 

Fig. 7 – Pintura alemã mostrando a devastação provocada pelo terramoto de Lisboa de 1755. 

Vídeo – Percurso da entrada da baleia no Tejo até ao sítio da Madre Deus, Xabregas. Grande panorâmica de Lisboa, séc. XVIII. Museu Nacional do Azulejo.  

Como podes ver pelo vídeo, a nossa baleia, quando entrou no Tejo, cruzou-se com muitos navios. Os maiores eram as caravelas e as naus. 

Uma caravela para colorires.

 

Enquanto estás a dar cor ao desenho repara nos elementos que compunham a caravela e a forma como estava organizada.

Fig. 8 - Desenho de uma caravela com corte. (Desenho: Ana Catarina Garcia)

Um galeão para colorires.

 

Tenta descobrir as diferenças entre a caravela e o galeão. 

Fig. 9 - Desenho de uma nau com corte. (Desenho: Ana Catarina Garcia)

Caravela

A caravela era um barco ligeiro e fácil de manobrar, composto por 3 mastros onde assentavam as velas latinas, as velas triangulares que permitiam a navegação contra o vento – bolinar. A caravela tinha uma coberta e um casco fundo e estreito onde se guardavam as mercadorias e os aprovisionamentos para as viagens. No castelo de popa, localizado à ré, encontravam-se os aposentos do capitão. Poderia transportar entre 20 a 100 pessoas consoante o seu tamanho e julga-se que já se contruíam no século XII. Este tipo de embarcação veio a tornar-se muito útil durante a expansão marítima portuguesa por ser um barco ágil e bem adaptado aos ventos e ondulação do Atlântico. 

 

Galeão

O galeão era um navio de maior porte, redondo e de alto bordo, tendo assim muito maior capacidade de carga que a caravela. Estava dotado de  4 mastros e velas mistas, quadrangulares e triangulares. Este tipo de embarcação foi idealizada para poder responder em caso de guerra em alto mar e como tal  estava armada com várias peças de fogo, podendo carregar mais de 40 canhões. No entanto, o galeão também podia fazer serviço de carga, transportando mercadorias que se encontravam abaixo do convés, nas cobertas, que poderiam ser  2 ou 3. Nos castelos de proa e popa localizavam-se os aposentos do capitão e das pessoas mais importantes que vinham a bordo. Os restante marinheiros e passageiros ocupavam a zonas das cobertas e do convés. Este navio com grande capacidade de navegação foi importante a partir do século XVI, podendo chegar até ao Oriente ou à América, e além das mercadorias e do armamento que transportava, o galeão também podia acomodar mais de 200 pessoas a bordo.

A baleia nadou ao lado de barcos que partiam e regressavam de regiões longínquas, que faziam parte do Império português, como a Índia ou o Brasil. Outras embarcações pertenciam a mercadores estrangeiros que vinham a Lisboa fazer comércio.

Lisboa era, nessa altura, uma das grandes capitais do mundo.  

Fig. 10 -  Lisboa, representação invertida da topografia da cidade, baseada em gravura precedente de Pierre Aveline, c. 1750. (Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal)

A baleia também avistou barcos mais pequenos e barcaças que serviam para o transporte de produtos no Tejo e para a pesca.  

Fig. 11 – Representação de uma barco de transporte no Tejo. Grande panorâmica de Lisboa, séc. XVIII. Museu Nacional do Azulejo.  

Se olhares com atenção, podes ver redes de pesca estendidas ao longo da margem do Tejo. Estas podiam servir para pescar, mas também para se pendurar o peixe para ser seco ao sol.   

Fig. 12 – Representação de redes de pesca estendidas nas margem do Tejo. Grande panorâmica de Lisboa, séc. XVIII. Museu Nacional do Azulejo.    

O rio e as suas margens eram povoados por muitos sons. Ouviam-se os pregões das vendeiras, a multidão de vozes ao redor do Chafariz d’El-Rei, onde se ia buscar água e onde se apinhavam gentes de várias etnias, as vizinhas a conversarem de janela para janela, os cantares nas tabernas, homens exaltados com o jogo, as ferramentas e os trabalhadores a construírem casas e barcos.  

Fig. 13 - Anónimo flamengo (?), Chafariz d’El-Rei, 1570-1580?, óleo sobre madeira (reprodução  parcial)
(https://berardocollection.com/?article=32&lang=pt&page=1&sid=50002)

Fig. 14 – Representação da Ribeira das Naus. Grande panorâmica de Lisboa, séc. XVIII. Museu Nacional do Azulejo.  

Fig. 15 – Representação de um pequeno estaleiro naval na margem do Tejo. Grande panorâmica de Lisboa, séc. XVIII. Museu Nacional do Azulejo.   

Pede aos teus pais para irem dar um passeio de Cacilheiro e desembarca em Cacilhas. Imagina que existe uma praia e está lá uma baleia encalhada que faz um ruído assustador e agonizante. 

Estes “urros”, como conta a Gazeta, eram bem diferentes do belo canto das baleias. 

 

Ouve aqui o canto das baleia:

https://youtu.be/0975DIznYZk

Fig. 16 – Vista de Lisboa a partir de Almada, Martin Engelbrecht segundo Friedrich Bernhard Werner, 1750. (Imagem: akg images)   

Se quiseres ficar a saber qual o comprimento da nossa baleia, quando fores à praia pede aos teus pais para, com as suas grandes mãos, marcarem 87 palmos.

Fig. 17 - Praia com o desenho da baleia representada na Gazeta de Lisboa de 27 de Janeiro de 1723.

Curiosidade

A notícia da baleia que encalhou no Tejo foi, mais tarde, publicada num folheto alemão, que copiava o texto, mas apresentava uma gravura da baleia que não era exactamente fiel à da Gazeta de Lisboa. Ora vê.

Fig. 18  Frontispício de Der Europaische Postilion, Augsburg 1723. Representação da mesma baleia arrojada em Cacilhas em 1723. Imagem cedida da colecção de Klaus Barthelmess.   

Hoje, quando se dá um acontecimento natural aparece nos telejornais. Quantas vezes já não ouviste notícias sobre o arrojamento de uma baleia na costa da portuguesa? Aqui aconteceu uma coisa semelhante. As notícias curiosas que aconteciam em Portugal circulavam na Europa.

Esperamos que tenhas gostado deste mergulho com as baleias que andaram pelo Tejo!

bottom of page